Entenda o que é o poliamor

o que é poliamor

“Quem pode provar que a única forma de organização familiar é a família burguesa?”, pergunta Sergio Lessa em sua obra Abaixo A Família Monogâmica!

Do descontentamento com as promessas da monogamia, turbinada pelo amor romântico, surgem pessoas reivindicando um outro jeito de amar, não exclusivo, que obviamente põe em xeque a organização familiar como a conhecemos.

O amor muda

Nem sempre amar foi desse jeito que aprendemos. Em sua extensa obra de dois volumes (O Livro do Amor), Regina Navarro, psicanalista e autora de diversos livros na área das relações afetivas e sexuais, conta nossas inúmeras manifestações de afeto, da pré-história à pós-modernidade.

O amor romântico, que ainda vigora atualmente como modelo aprendido e desejado, começa a ser cunhado na virada do século XVIII para o XIX. As pessoas passam a escolher – ou querer escolher – seus parceiros de casamento com base no que sentem, no que as faz perder o sono, palpitar o coração e sonhar grandes histórias.

Em um “excesso de sentimentalismo”, não são mais os dotes ou as famílias que detêm o poder máximo de determinar o caminho amoroso de seus filhos: agora casamos porque amamos, porque queremos passar o resto da vida com determinada pessoa. Até que a morte nos separe.

É Hollywood quem turbina, na primeira metade do século XX, a ideia romântica de amar. E aí não tem pra ninguém: você precisa achar sua cara-metade, aquela pessoa que preenche todos os seus vazios, que nunca te desampara, parceira para todos os momentos, que automaticamente torna dispensável qualquer outra companhia, seja familiar, seja de amigos, porque essa pessoa é tudo pra você.

Um peso e tanto para se carregar, não?

Derrocada do amor romântico

É novamente Sergio Lessa quem nos traz um dado interessante: “na primeira década do século 21, pela primeira vez, a maioria das famílias estadunidenses não é mais a família burguesa típica”.

Muitos fatores precisariam ser analisados para explicar tal fato. Iremos nos ater apenas a alguns que a segunda metade do século XX trouxe: o pós-guerra, a segunda e terceira ondas feministas, o movimento hippie, a pílula do dia seguinte e a instituição do divórcio.

Esses acontecimentos provocam um turbilhão de revoluções culturais no Ocidente e atacam, direta ou indiretamente, as bases que o amor romântico (fundamento atual da monogamia) vinha criando há mais de um século.

A mulher questiona seu papel na sociedade, seus direitos reprodutivos e sua capacidade para o trabalho – tudo de que a monogamia precisa para se manter inquestionável. Ao mesmo tempo, com o advento da pílula, sexo não é mais sinônimo de amor ou reprodução, e a atividade sexual começa a ser cogitada única e exclusivamente para o prazer.

A possibilidade legal de dissolução do vínculo de casamento obriga a monogamia a se reciclar. Não é que você ame a mesma pessoa a vida toda, isso não é mais necessário: você pode até direcionar seu amor a mais de uma pessoa, desde que seja uma de cada vez (quer pela morte, quer pelo divórcio).

Em um cenário assim, é difícil manter a idealização do outro como a “metade da laranja” que nos falta. O amor romântico tenta se adequar aos novos tempos e, até certo ponto, consegue. Porém era inevitável que, diante de todos esses acontecimentos, surgissem formas diferentes de se estabelecer uma relação.

Ou relações. E é neste cenário que surgem diferentes tipos de relacionamentos abertos.

Poliamor: onde cabe um cabem quantos quiserem

Surge o movimento poliamorista, que reivindica algo simples, mas ao mesmo tempo radical: é possível estabelecer vínculos afetivos profundos com mais de uma pessoa. Utilizando como exemplos outras áreas do amor, se amamos amigos, amigas, familiares e não precisamos abrir mão de uma dessas relações para inaugurar outras, por que o mesmo não pode acontecer nas relações afetivo-sexuais?

Obviamente o conservadorismo moral, sempre à espreita, acredita que o poliamor se trata de um enorme cabaré, em que pessoas têm relações sexuais umas com as outras 24h por dia, sem sequer saberem seus nomes, numa espécie de drive-thru humano.

Até mesmo contra essa ideia do sexo desenfreado, o poliamor surge com ênfase na parte afetiva e no estabelecimento de parcerias duradouras.

Nada é por acaso: ao apelar para o amor, seguindo algumas tendências do movimento LGBTQIA+, o poliamor tenta se tornar atrativo e palatável ao público monogâmico e às instituições de família e casamento. “É possível amar mais de uma pessoa” é mais agradável de se ouvir do que “quero ter tantas relações sexuais quantas eu quiser”.

Tipos de poliamor

As configurações de relações poliamorosas são muitas. Sem ter a pretensão de apresentar um rol taxativo, temos alguns exemplos de formatos relacionais comuns. O site poliamorbrasil.com traz esquemas visuais muito bacanas, que facilitam o entendimento da pluralidade do poliamor. Recomendo a consulta para a visualização dos esquemas abaixo.

Na relação em V, por exemplo, A se relaciona com B e C, que por sua vez não se relacionam entre si. Já nas relações triangulares todos se relacionam com todos.

A relação em Z, formada por 4 pessoas, não possui vínculos em comum: A se relaciona com B, que se relaciona com C, que por fim se relaciona com D. No formato quadrado, cada pessoa estabelece duas relações simultâneas.

Temos ainda o solo-poli, em que A se relaciona única e exclusivamente com B, que por sua vez já possui outras relações, mas independentes de A.

Como se vê, as possibilidades são talvez infinitas e a única regra imutável é a não exclusividade afetiva. Amor nunca é demais.

Metamores e polidramas

O estabelecimento de várias relações simultâneas traz um novo conceito: os metamores. Eles são as pessoas que se relacionam com quem você se relaciona. Os “amores dos seus amores” .

Não há regra aqui: metamores podem se conhecer e estabelecer parcerias incríveis, podem simplesmente saber quem são sem grandes envolvimentos ou podem, em cenários piores, se odiar e dificultar a estabilidade das respectivas relações.

Excluindo a última opção, que certamente é danosa e nada saudável, o ideal é que as conversas estabeleçam o grau de envolvimento que os metamores desejam ter entre si, para que limites não sejam ultrapassados e as pessoas envolvidas fiquem confortáveis – porque de desconforto já bastam polidramas.

Polidramas são situações únicas, às vezes engraçadas, às vezes sofridas e traumáticas, proporcionadas por essa possibilidade afetiva múltipla, em que dilemas poliamorosos são estabelecidos e precisam ser solucionados com criatividade e muita conversa, já que jamais nos deparamos com algo semelhante na monogamia.

O poliamor pode ser para você

A maioria sequer sabe que pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo – ou sabe, mas reprime esse desejo por ser considerado errado, ilegal (bigamia é crime) e moralmente reprovável. Por isso, a possibilidade de ser um poliamorista pode causar espanto em quem se vê em uma situação assim.

O sofrimento, com ajuda e direcionamento, pode se transformar em uma nova forma de encarar os afetos. Desde que estejam todos cientes, qual é o erro de querer bem todas as pessoas que nos querem bem, sem limite de quantidade, tal qual o poliamor de defende?

Talvez essa seja uma boa definição de amor.